Esse é um post de um amigo Geografo, que acompanhou de perto as manifestações em São Paulo, em especial Campinas. O nome desse meu amigo é Carlos Eduardo. Ele é Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Bacharel em Geografia (2005) e Licenciado em Geografia (2007) pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Mestre em Arquitetura e Urbanismo (2010), área de concentração em Dinâmicas do Espaço Habitado (DEHA), pela UFAL. Foi Professor Auxiliar da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL, Campus V. Na UNEAL participou do Núcleo de Estudos do Pensamento Miltoniano (Nepem), coordenado pelo Prof. Msc. Reinaldo Souza. Tem experiência em Geografia Humana e trabalhou com os seguintes temas: uso do território por movimentos de sem-teto; uso do território pela pirataria; conflitos urbanos. Atualmente, atua com os seguintes temas: uso do território e federalismo fiscal; renovação e difusão seletiva de materialidades; planejamento territorial.
Segue abaixo o texto dele na integra.
Bom, pessoal. Não tenho blog, então postarei direto aqui. São algumas reflexões sobre as manifestações dos últimos dias. Lógico, não são conclusivas, expressam uma opinião minha a partir do que venho acompanhando pessoalmente, mas também através das postagens e reportagens. Resta dizer, também, que reflete a minha dificuldade em compreender tudo isso que tá acontecendo (talvez não só minha, mas de outros). Deixo aberta a críticas. Escrita no calor do momento, muita coisa escapa e outras podem até estar erradas. Como toda generalização, o risco só aumenta. Mas é uma tentativa de contribuir com o debate.
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Quando as manifestações começaram há dias atrás, fui tomado por uma imensa alegria, por uma sensação de que, finalmente, as pessoas acordaram e resolveram tomar às ruas para protestar contra as desigualdades sociais do país. Dois tipos de relatos e imagens foram veiculados para retratar os acontecimentos: 1) aqueles da mídia hegemônica que focavam as imagens de manifestantes que quebravam equipamentos públicos (chamados de baderneiros, vândalos, etc.); 2) aqueles registrados pelo público presente que mostravam as ações arbitrárias e violentas da polícia contra os manifestantes e que utilizaram o facebook como meio de difusão de relatos e imagens mais concatenados com os fatos.
O primeiro tipo, sabemos, foi rechaçado pelo grande público mediante o caráter manipulador dos fatos. Pareceu claro que a mídia só queria defender os interesses dos políticos “corruptos” e dos poderosos empresários em detrimento da insatisfação da sociedade. E como não estávamos mais dispostos a ser manipulados, enganados; optamos, então, pelos relatos e imagens do facebook que pareceram estar mais de acordo com a realidade e com nossa sensação de insatisfação e indignação com os fatos sociais.
De telespectadores passivos, passamos a sujeitos ativos e começamos a nos manifestar, a desabafar nossos sentimentos numa catarse coletiva. Produzimos e/ou compartilhamos vídeos, imagens, textos com palavras de ordem, com conteúdo crítico referente aos problemas sociais enfrentados pelos brasileiros. O passe livre e os protestos contra o aumento de vinte centavos (apesar de que nas outras cidades os aumentos se propuseram distintos, mas tudo gravitou em torno de São Paulo) cederam lugar aos protestos contra uma série de coisas gerais e específicas seguidos de reivindicações.
Mas, o que pareceu comum a todas as manifestações no facebook e nas ruas? A insatisfação! Mas insatisfação com o que? Com tudo e com nada. E é aí que, a meu ver, mora o perigo.
Resumidamente, essa insatisfação em comum pareceu se tratar da mesma coisa: da política e dos políticos brasileiros. Uma abstração inequívoca e arriscada. E tudo, de repente, pareceu ser simples e fácil: o povo brasileiro, lutando por uma mesma causa (que causa?), de um lado; e os políticos corruptos, do outro. Simples assim, sem intermediações de nada. E o fator “insatisfação” bastou para servir e orientar as práticas sem justificação clara, pois nos pareceu que aquele fator se autojustificava.
Essa insatisfação da massa (para mim não se trata de uma insatisfação popular), mediada pelas redes sociais (viva às redes sociais), possibilitou de modo instantâneo e simultâneo colocar milhares de pessoas nas ruas de várias cidades brasileiras. De repente, uma grande energia contida individualmente, mas latente no conjunto da sociedade, foi liberada e como uma bomba, explodiu.
Nessa explosão, emergiram coisas; difíceis de qualificar nesse momento. Mas o fato é que emergiram e continuam emergindo e revelando, pouco a pouco, coisas que já sabíamos e coisas que ainda não sabemos. Mesmo por que estamos no meio de todo o processo e fica difícil de avaliar o que ainda não aconteceu, mas que pode vir a acontecer, a partir disso tudo que emerge confusamente, criando formas novas.
Uma das principais formas assumida de cara pelo megamovimento foi o apartidarismo. A palavra de ordem era a luta contra a corrupção e contra a copa que depois incorporou outras pautas de reivindicação: saúde, educação, transporte dentre outras. A revolta comum eram os investimentos direcionados aos setores privados e não públicos. Extremamente legítimo. As imagens dos corredores dos hospitais, dos ônibus lotados, das escolas sucateadas, das remoções de casas em contraste com as imagens dos estádios modernos se tornaram elementos por si só explicativos (sic) das desigualdades e problemas sociais brasileiros. Eu mesmo compartilhei várias dessas imagens.
O sentimento de indignação foi aumentando e a necessidade de ir às ruas também. Mas o que começou como uma luta apartidária passou a ser, ainda como elemento comum e de coesão do movimento, uma luta contra a política e os políticos brasileiros de plantão. Mas não todos e qualquer político. Alguns específicos, principalmente os do PT e do “mensalão”. Interessante como o PSDB – partido explicitamente de direita e que engendra ações políticas nefastas – esteve praticamente ausente como alvo dos direcionamentos dos manifestantes.
A coisa foi ficando mais complicada e confusa quando os manifestantes começaram a atacar toda e qualquer bandeira de movimento social e de partido de esquerda nas manifestações. Nesse momento, para mim, a luta deixou de ser apartidária e passou a ser antipartidária. E isso me soou como um alerta, pois de um modo ou de outro esta postura antipartidária enseja uma tentativa de anulação de vozes e propostas dissonantes e isso vai de encontro à luta pela democracia e justiça social.
No facebook comecei a notar, nos últimos dias, algumas críticas às manifestações. Chamou-me a atenção duas delas: uma questionava a verdadeira eficácia do movimento e se tudo aquilo não passaria de um modismo sem propósito e direção. A outra partia de um integrante de movimento social que reclamava o fato de que as manifestações, como agiam, estavam apagando a história dos movimentos sociais históricos de luta, bem como negando a importância deles.
De pronto, posicionei-me contrário a ambas as críticas. A primeira eu entendi que não procedia, pois não importava organização política, liderança, em suma, as formas tradicionais de luta e reivindicação institucionalizadas e burocratizadas não caberiam mais. O que estava valendo era o fato da vida da maioria ter se tornado “insuportável” e da energia liberada a partir das massas. Importava menos, para mim, naquele momento, uma pauta de reivindicações claras e direcionadas. A indignação manifestada em si bastaria (independentemente de ser pacífica ou não). A violência cotidiana a qual somos submetidos justificaria as manifestações. Pensava eu que, havia problemas gerais, em todo o país, que precisavam ser protestados e que, tratando-se das cidades, cada manifestação teria que ver suas pautas e problemas específicos (Por exemplo: a tarifa de ônibus não é um problema a ser tratado com a presidente, mas com o prefeito). A segunda crítica eu discordei entendendo que os movimentos sociais deveriam se aproximar dos manifestantes para unir forças e até orientá-los com respeito à luta e não se sentirem coagidos. Nesse caso, o que estava valendo, para mim, eram as misturas de gente de todas as classes, idades, gêneros, ideologias, etc. em torno de uma causa comum e que os movimentos sociais seriam só um detalhe frente à grandiosidade daquilo tudo.
Ao participar da manifestação em Campinas, frente ao que eu vi e ouvi, tratei de reconsiderar as críticas acima e a revê-las, reavaliá-las e modificar meu posicionamento que, ainda, está confuso para mim mesmo, pois pôs por terra muitas ideias e opiniões que eu havia formado até então, principalmente com relação à força e capacidade de construção de uma nova história a partir dessas manifestações. Isso não quer dizer que eu ainda não acredite que possa haver. Mas acho importante fazer algumas ponderações, pois se sobressair (existir) o que penso estar latente por trás e no interior dessas manifestações, o tiro pode sair pela culatra e a gente mergulhar numa coisa pior. E é por isso que isso exige de nós um posicionamento sério, pensado, refletido para reorientar tais manifestações e, mesmo, canalizar a energia para o que é fundamental para obtermos o propósito maior que é da transformação da realidade perversa aí presente. Logo, o trabalho é penoso e exige vigilância constante, sem que se anulem as divergências políticas e acabemos por abrir caminho para o totalitarismo o qual combatemos.
Mas vamos aos fatos. Quando cheguei à manifestação, no centro de Campinas, senti como se estivesse chegando a um evento de carnaval. Muita gente bonita na rua, sorridente, enroladas com a bandeira do Brasil, com as caras pintadas de verde e amarelo. Não sei, mas aquilo soou muito estranho para mim. Já participei de outras manifestações e o clima era diferente: de seriedade (mesmo que houvesse descontração, conversas, risadas), mas era diferente. Nas manifestações que já participei no passado, sabia por que estava lá, por qual causa, contra quem e isso dava um sentimento de segurança (ideológica mesmo), de convicção da causa. Mas quando comecei a ver tudo aquilo o sentimento foi outro: de insegurança no sentido ideológico, da causa que estava lá para defender. Perguntei-me várias vezes: por que estou aqui mesmo? Estou lutando pelo que? Contra quem? Por que? E não conseguia saber e isso me gerou um imenso desconforto. Então, o que pareceu ser para mim no início de tudo isso algo positivo (toda essa gente misturada, de diversas classes, posicionamentos políticos e que tinham supostamente um problema em comum a resolver) pareceu não fazer mais sentido naquele momento.
Então, diante daquelas pessoas alegres, extrovertidas, que pareciam estar indo a um carnaval e não a um protesto político (não que os protestos políticos também não devam ser alegres), tentando achar alguma razão daquilo para mim mesmo, mas sentindo que eu me trairia no que eu iria falar, mesmo assim virei para um amigo e disse: “Não importa essas bandeiras e rostos pintados! O importante mesmo é essa mistura de gente que aqui, mesmo que tenham outros ideais, ou não os tenham, vai poder se confrontar e participar de algo maior”.
Fomos-nos aproximando da aglomeração e a coisa foi ficando mais bizarra. Rolava um samba, uns caras sem camisa com cerveja na mão (sem falso moralismo), os caras pintadas, as bandeiras do Brasil e começamos a acompanhar o movimento. Muitos helicópteros sobrevoando e quase nenhum policial. O desconforto permanecia e eu comecei a ver alguns semblantes também pesados e não parecia ser por medo dos policiais ou de confusão, era algo maior, um incômodo que não parecia ter explicação lógica.
Não conseguia ver bandeiras de movimentos sociais, nem de partidos. E os gritos de guerra eram muitas vezes soltos e sem sentido. Começou a me chamar atenção os cartazes com palavras de protesto que não eram de protesto, com piadas, com sentido dúbio e alguns com conteúdos reacionários mais explícitos. Lógico que havia os cartazes sérios, grupos sérios, mas toda essa diversidade começou a não fazer mais muito sentido, não conseguia ver nexo naquilo tudo e a confusão na minha cabeça ia aumentando, mas estampava-se na cara, também, de alguns manifestantes. Pensava, então, comigo: “Isso deve ser o novo. E não estamos acostumados”. Mas cheirava a coisa velha, e não sabia por que!
Conforme fomos-nos aproximando da Prefeitura de Campinas, o Movimento se separou. Uma parte (os caras pintadas e o que me pareceu ser a galera mais rica) foi para o Centro de Conveniência de Campinas e a outra parte (que pareceu ser da esquerda) se dirigiu em direção à prefeitura. Como já estávamos exaustos, fomos embora quando ouvimos as primeiras bombas de gás lacrimogêneo. Fomos embora e as informações nos foram chegando: os manifestantes com as bandeiras do Brasil começaram a atacar militantes dos partidos de esquerda e exigir que eles abaixassem as bandeiras; e um dos principais líderes dos movimentos de sem-teto do Brasil abandonou as manifestações com a bandeira do Movimento abaixada.
Grosso modo, e generalizadamente, eu consideraria quatro grandes grupos que comporiam essas manifestações e, talvez, as designações que utilizarei não sejam adequadas, mas sirvam para expressar o perfil de cada um deles e, também, pode ser que nem condigam com a realidade. Seriam eles: 1) O grupo da esquerda (progressista), composto por estudantes, movimentos estudantis, movimentos sociais, partidos de esquerda com suas respectivas bandeiras de luta. Esses parecem se apresentar com uma politização das ideias e ações mais claras e objetivas; 2) O grupo da direita, composto por jovens e adultos reacionários, conservadores (mas travestidos de progressistas), que atacam o Governo Brasileiro e pedem um “Fora Dilma”; 3) O grupo do “oba oba”, que nunca se manifestou, mas está achando tudo lindo e resolveu participar. Ótimo que esse último grupo resolveu participar e tem direito. O problema é que ele, intencionalmente ou não, parece fazer coro à direita e ajudar a deixar tudo mais confuso; 4) O grupo dos apartidários. Esse parece ser, sim, a grande maioria que está cansada, indignada e é bem intencionada. Mas parece se perder, também, em meio a essa confusão toda. E o problema parece ser quando os movimentos de esquerda começam a ser expulsos das manifestações, esse grupo de apartidários achar normal e até positivo. E aí é quando deveriam se posicionar de modo partidário, não especificamente, mas no sentido de defender o direito à participação dos demais grupos para a coisa não virar um movimento totalitário.
Quando eu cheguei em casa, as duas críticas às manifestações as quais me referi acima começaram a fazer sentido. E eu fui juntando uma coisa com a outra para tentar entender o que está acontecendo. Ainda não sei, mas estou tentando entender.
O que vem me chamando a atenção é a velocidade, a rapidez com que esse movimento se formou e tomou fôlego. Como que um país historicamente reacionário e conservador torna-se, de uma hora para outra, revolucionário e progressista? Será que nos tornamos todos, de repente, revolucionários e progressistas? Parece-me que não. E quais seriam as evidências disso e as possíveis implicações?
Uma coisa de cada vez. Com respeito à velocidade com que se formou o movimento, podemos atribuir ao papel da internet e das redes sociais. Mas isso foi só o instrumento utilizado, não a causa para justificar a participação em massa. É preciso um motivo, uma razão (ou vários) para que milhares de pessoas saiam às ruas. E, definitivamente, não pareceu ter sido pelos vinte centavos. Mas também não sei realmente quais foram para além das atribuições óbvias que se referem à corrupção, à copa, a insatisfação, a indignação. Tenho a impressão de haver algo a mais, que não sei o que é.
Uma questão que me martela é: por que só agora, nesse momento? E vão dizer: “por que chegamos ao limite”. Mas me parece que chegamos ao limite há muito tempo. E de fato não há dia e hora marcada para manifestação da indignação. Ela simplesmente uma hora explode. Mas o que me faz questionar é o fato de que há anos observamos manifestações públicas nas ruas (de professores, trabalhadores, sem-terra, sem-teto) e a reação da sociedade sempre pareceu avessa a essas manifestações. Há anos convivemos com a remoção de moradias e comunidades inteiras, mas também com projetos de higienização nas cidades para instalação de empreendimentos privados e nunca nos incomodamos. Há anos convivemos com o extermínio de pobres na periferia e, também, ignorávamos. Há uma história de lutas sociais nesse país, de reivindicações. E por que dizemos que só agora o Brasil acordou? Quem acordou?
Algumas hipóteses me vieram à cabeça, mesmo para justificar o fato da classe média brasileira (tida sempre como apática, despolitizada e reacionária) sair às ruas nesse momento. E aí eu pensei: talvez seja por que a classe média esteja saindo da ilusão do consumo por ter que lidar com os problemas cotidianos conhecidos há muito tempo na periferia: o endividamento pelo crédito fácil, a violência urbana, a desvalorização dos salários, as jornadas de trabalho exaustivas, o desemprego, a saúde e educação (mesmo privada) precárias. Acho que tudo isso tem a ver e torna legítima as reivindicações por uma vida melhor via uma transformação política e econômica. Mas uma outra questão me toca: será que a classe média brasileira está preocupada em resolver o problema das cidades como um todo e do país como um todo (e aí entrariam as periferias das cidades e as regiões periféricas do país) ou só os problemas delas, ou seja, será que esta classe média tem tomado consciência dos problemas estruturais, da totalidade, ou está apenas tentando resolver a crise societária dela e só dela nestes tempos tumultuados?
Por que a meu ver, a mudança de ações positivas e de construção de uma nova história exige, forçosamente, uma mudança de pensamento, um posicionamento diferente no mundo diante das coisas que existem e isso inclui posicionar-se diante dos outros (que não fazem parte do seu mundo) para também compreender suas angústias, dramas e perspectivas sobre a vida.
Nessas manifestações não vejo a participação de pobres. De quem realmente sofre, vive no limite da existência. E quem está ligado a eles que são os movimentos sociais e os partidos de esquerda, está sendo banido das manifestações.
Ano passado, assistimos (de modo muito mal veiculado pela imprensa hegemônica, ou não veiculado) o massacre do pinheirinho na cidade de São José dos Campos em São Paulo. Após uma ação de reintegração de posse ensejada pela Justiça de São Paulo em favor do especulador Naji Nahas (lembram-se dele? Histórico medonho desse sujeito) contra uma comunidade onde viviam mais de 1500 famílias há anos (praticamente constituíram um bairro), os policiais do Alckmin foram enviados e tocaram o terror contra as famílias, atacaram crianças, idosos, derrubaram as casas sem deixar os moradores retirarem seus pertences que conseguiram com anos de trabalho. E o massacre de Eldorado onde sem-terra foram assassinados por jagunços? E os indígenas que perdem suas terras para o agronegócio? Só para ficar nos exemplos de maior repercussão e que a sociedade brasileira deu de ombros. E tantos outros como esses ocorrem constantemente, em várias cidades do país. Esses eventos ensejam reações e manifestações também.
Agora veio a copa. E toda essa massa de gente que está na rua parecia estar tranquila e contente com o megaevento. Talvez por que não tivéssemos a dimensão do que isso implicaria: investimento de capital público para produção de infraestrutura a ser explorada, posteriormente, pelo capital privado externo, legislações específicas (impostas pela Fifa) que implicariam numa dificuldade de circulação e trabalho nas áreas dos eventos, a possível drenagem do dinheiro gasto pelos brasileiros para as empresas estrangeiras que explorarão serviços e comércio durante a copa etc. E de repente nos indignamos (eu me indignei também) com os gastos do evento que poderiam ser melhor investidos em serviços públicos. Mas como a coisa veio se dando pareceu que sempre tivemos uma educação e saúde de qualidade e que só agora, por causa da copa, perdemos tudo.
E não é bem assim, como sabemos. O mundo da política é um mundo complexo, cheio de artimanhas e armadilhas. É altamente racionalizado e arquitetado. É diferente do mundo banal, da vida banal, da vida política praticada aqui embaixo. Nós sentimos o efeito da política, e até agimos a partir dela, das teias de relações que nos mantêm presos a ela. Mas temos muita dificuldade de compreender as causas, os mecanismos que põem em movimento as ações políticas. E quando se tenta forjar uma relação entre os de baixo e os de cima a coisa se torna mais complexa ainda e arriscada, principalmente mediante essa crise de representatividade e da existência de canais participativos.
Voltando à copa. Os casos de remoção no Rio de Janeiro para preparar o território para a copa são emblemáticos. Inúmeros moradores se mobilizam atualmente para resistirem às remoções. Não sei se estes mesmos moradores estão participando das manifestações no Rio de Janeiro e se sentem representados por ela.
A gente da classe média caiu numa abstração com relação a essa luta que não tem tamanho. E a falta de conhecimento real dos problemas torna a coisa perigosa, por que as ações passam a ser sentido e, pior, podem assumir um sentido contrário ao que precisamos para efetivamente dar um salto qualitativo em nossas vidas. Não bastar ir às ruas. É preciso ir às ruas com consciência. E também é difícil ter essa tal consciência de. É preciso entender que não entendemos. E não entendemos mesmo. Isso não é problema. É honestidade. Por que há gente nessas manifestações que não entendem o que se passa, como funciona a política, não tem conhecimento histórico e acha que por estar nas ruas basta. Que vai mudar o país. Que vai vir o novo. E o novo pode se apresentar como velho. Aliás, esse novo carece de qualificação. Que novidade é essa que queremos? Como faremos para tê-la? É boa para todos?
Tem muita gente participando dessas manifestações com interesses escusos. E o problema é que elas não revelam isso de cara. São desonestas, portanto, por que impedem o debate, o confronto de opiniões e ideias. E a boa parte bem intencionada começa a incorporar os discursos e interesses dessa outra sem se dar conta, por que elas não revelam a real, o que defendem. A gente tem que estar o tempo todo atento e pegando nas entrelinhas.
Nos últimos tempos quais são os dizeres que tem circulado na internet? A favor da diminuição da menoridade penal, dizeres “como bandido bom é bandido morto”, revoltados contra os benefícios de presidiários (por que os trabalhadores honestos sofrem com os baixos salários), contra os direitos humanos (por que acha que só defende bandido), a favor da truculência policial nas periferias, contra o bolsa família (mas sem se importar com o bolsa renda especulativa dos poderosos empresários e bancos), contra os direitos gays, das mulheres, dos pobres; a favor da construção de mais presídios, etc. E eu não estou dizendo que quem defende esses preceitos sejam pessoas ruins. Não se trata disso. São pessoas bem intencionadas que, muitas vezes, mediante as condições de vida, acredita que seus problemas estão relacionados ao desvio de caráter dos pobres e dos políticos e não às forças “ocultas” que comandam e governam o mundo. Assim, são pessoas que revelam a dificuldade de compreender a complexidade das relações (políticas, sociais, econômicas) e, pior, que muitas vezes não estão dispostas a se informar, a entender melhor por que as coisas são assim ou assado.
Essa produção e difusão da informação de massa compartilhada vieram para o bem e para o mal, por que não sabemos selecionar a boa informação, da má informação (daquela deturpada, que esconde interesses escusos, mas mais atrativa). E optamos pela má, que é mais sedutora, das frases de efeito, de impacto. O fato é que hoje, grande parte dos que estão nas ruas fazem parte dessa gente que pensam e defendem as causas a partir daquelas ideias que elas postam no face. O Brasil é sim um país reacionário, conservador. Fomos educados nessa lógica. Agora não tem que ser assim sempre. Que esse processo todo, se bem conduzido, nos faça rever nossos posicionamentos, nossas crenças, que mudem nossas opiniões sobre a vida e o mundo que é bem mais que a minha rua, a minha praça, o bar que eu frequento, a comunidade da qual eu participo. Precisamos identificar os verdadeiros inimigos (instituições, partidos, governantes, mas também princípios) e isso está cada vez mais difícil por que somos seduzidos por estes e postos contra as verdadeiras causas justas e honestas.
O que eu penso ser mais importante nesse momento são os debates. Mas os debates honestos. Em que as pessoas se colocam e defendem suas causas e por que defendem. Não dá para se (in)formar politicamente pelo face. E por isso que é importante a presença dos partidos políticos (de direita e esquerda) e dos movimentos sociais nessas manifestações. Vão dizer que hoje não há mais esquerda e direita. Que a esquerda se corrompeu etc. e tal. OK! Mas essa pode ser uma meia verdade, não a verdade toda. E deve ser encarada como um dado da história, de nosso tempo. Devemos nos perguntar por que isso aconteceu e se aconteceu de fato. A meu ver, essas forças “ocultas” que governam o mundo e os países querem exatamente isso: acabar com os partidos, com os posicionamentos e instituir uma ideologia única. Isso é perigoso.
Não precisamos nos filiar a partido político. Mas precisamos nos posicionar politicamente e para isso é preciso tomar partido. De qual lado estamos e o que defendemos. Ser apartidário nesse momento é exatamente o que as forças reacionárias querem: assim fica fácil de encontrar inimigos e lutar contra eles de forma personalizada e não contra ideias, processos, fatos.
É patético ver protestos contra o Executivo nacional que deveriam ser dirigidos ao legislativo ou ao judiciário. Ou mesmo questões que são da alçada de prefeitos e governadores serem transpostos à presidência da república. Isso só revela uma coisa: ignorância. Não sabemos nem o fundamental que é como se organiza a política administrativa de nosso país.
E aí atuamos às cegas? Um prato cheio para as forças políticas mal intencionadas usar todo esse clamor a seu favor. Um primeiro passo é admitirmos para nós mesmos: sim, não sabemos, não conhecemos, precisamos compreender as razões disso e daquilo. E vamos à luta, mas conscientes do que estamos defendendo e da responsabilidade que temos ao defendermos isso ou aquilo, bem como de suas possíveis implicações.
É chegada a hora dessa classe média bem intencionada (se realmente estiver preocupada em fazer política séria) conversar com a periferia. Sair do castelo. Há muito tempo a periferia faz política e há muito tempo ela sabe distinguir o que é bom para todos e o que não serve para nada.
E lógico que há urgências e nem tenhamos tanto tempo para esse processo de formação e aprendizagem. Mas ele é necessário e, também, urgente.
A situação do Brasil não tá pra brincadeira. Os interesses externos aumentam (do capital principalmente) em usar e abusar do território nacional. Quer queiramos quer não, os governos latino-americanos têm sido governados, nas últimas décadas, pela esquerda. E isso deixa tanto a oligarquia nacional como os empresários e governos ricos de cabelo em pé, a despeito das políticas de privatizações e alienação sofrida pelo território nacional. Mas eles querem mais e mais.
No contexto latino-americano, os brasileiros e o Brasil viram às costas para os nossos vizinhos. Mas se observarmos o que vem ocorrendo nos últimos anos são tentativas de golpes a estes governos (do Hugo Chavez na Venezuela) e alguns bem sucedidos como o do Zelaya em Honduras e Lugo no Paraguai. O Brasil é a grande liderança desse continente e é o que tem força e capacidade para instaurar transformações profundas na história do capitalismo latino-americano.
Não deveríamos, portanto, afastar por completo a possibilidade de tentativa de golpe no Brasil. Nossa democracia é extremamente frágil e imatura. Desde a redemocratização do país temos sentido isso. Os interesses externos, mediados pela elite nacional, sempre se impuseram sobre os interesses dos brasileiros. E a classe média brasileira sempre se identificou mais com os ideais nefastos dessa elite, do que com aqueles que apontam para nós mesmos, para a nossa condição de brasileiros. Sempre nos negamos como pobres, indígenas, pretos, mestiços e pobres. E sempre nos espelhamos nos ideais dos brancos, ricos e europeus nos tornando uma caricatura tosca deles.
Muitos brasileiros ainda não admitem às políticas sociais dos últimos governos (com todas as críticas que devemos fazer a elas). E não estou defendendo o PT, deixando claro que não pertenço a partido algum. Mas sempre vou defender os partidos que estejam mais concatenados com os interesses sociais, com a manutenção da democracia.
Os últimos eventos políticos têm demonstrado as tentativas de encurralar a presidente: o questionável julgamento do mensalão (criticado exatamente por não ter se utilizado de parâmetros técnicos e legais, mas políticos causando um início de crise no judiciário), a ascensão do Joaquim Barbosa como herói nacional (mesmo que supostamente tenha condenado arbitrariamente alguns réus), mas louvado por combater os “malditos comunistas” do PT.
Então, juntando essa movimentação do cenário político e jurídico nacional, com a movimentação do cenário político internacional de nossos vizinhos, com a mentalidade reacionária da classe média brasileira (que defende tudo que há de mais abominável nos tempos de hoje e que sente saudades da didatura), com os interesses econômicos das grandes empresas nacionais e internacionais que agem nos bastidores, sem transparência... juntando tudo isso, é que devemos estar atentos aos rumos que essas manifestações possam tomar.
Então, não se trata apenas de fazer um elogio a tudo que está acontecendo se não soubermos, conscientemente e concretamente, onde queremos chegar. Que esses eventos sirvam não só como manifestação da indignação, da dificuldade de se viver dignamente nos dias de hoje. Que ele sirva também de aprendizagem, que seja uma fábrica de produção de sentidos, de aprendizagem que nos ponham verdadeiramente de pé. Que sirva para discernir os bons dos ruins (no sentido absoluto e não relativo dos termos), para que separemos, dentro do próprio movimento, o joio do trigo (como disse um amigo meu, constatando que parece, nesse momento, haver mais joio do que trigo).
Não podemos abandonar a história de luta dos movimentos passados e as conquistas, como se não tivéssemos nada a aprender com eles (por que são velhos e nós somos novos e isso bastasse para representar o novo). Podemos, de repente, estar caminhando pra trás e nos tornando mais velhos e retrógrados do que pensamos. E as atitudes atuais, de muitos jovens, não todos (é claro), tem demonstrado, às vezes, que retrocedemos em relação à juventude do passado
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Quando as manifestações começaram há dias atrás, fui tomado por uma imensa alegria, por uma sensação de que, finalmente, as pessoas acordaram e resolveram tomar às ruas para protestar contra as desigualdades sociais do país. Dois tipos de relatos e imagens foram veiculados para retratar os acontecimentos: 1) aqueles da mídia hegemônica que focavam as imagens de manifestantes que quebravam equipamentos públicos (chamados de baderneiros, vândalos, etc.); 2) aqueles registrados pelo público presente que mostravam as ações arbitrárias e violentas da polícia contra os manifestantes e que utilizaram o facebook como meio de difusão de relatos e imagens mais concatenados com os fatos.
O primeiro tipo, sabemos, foi rechaçado pelo grande público mediante o caráter manipulador dos fatos. Pareceu claro que a mídia só queria defender os interesses dos políticos “corruptos” e dos poderosos empresários em detrimento da insatisfação da sociedade. E como não estávamos mais dispostos a ser manipulados, enganados; optamos, então, pelos relatos e imagens do facebook que pareceram estar mais de acordo com a realidade e com nossa sensação de insatisfação e indignação com os fatos sociais.
De telespectadores passivos, passamos a sujeitos ativos e começamos a nos manifestar, a desabafar nossos sentimentos numa catarse coletiva. Produzimos e/ou compartilhamos vídeos, imagens, textos com palavras de ordem, com conteúdo crítico referente aos problemas sociais enfrentados pelos brasileiros. O passe livre e os protestos contra o aumento de vinte centavos (apesar de que nas outras cidades os aumentos se propuseram distintos, mas tudo gravitou em torno de São Paulo) cederam lugar aos protestos contra uma série de coisas gerais e específicas seguidos de reivindicações.
Mas, o que pareceu comum a todas as manifestações no facebook e nas ruas? A insatisfação! Mas insatisfação com o que? Com tudo e com nada. E é aí que, a meu ver, mora o perigo.
Resumidamente, essa insatisfação em comum pareceu se tratar da mesma coisa: da política e dos políticos brasileiros. Uma abstração inequívoca e arriscada. E tudo, de repente, pareceu ser simples e fácil: o povo brasileiro, lutando por uma mesma causa (que causa?), de um lado; e os políticos corruptos, do outro. Simples assim, sem intermediações de nada. E o fator “insatisfação” bastou para servir e orientar as práticas sem justificação clara, pois nos pareceu que aquele fator se autojustificava.
Essa insatisfação da massa (para mim não se trata de uma insatisfação popular), mediada pelas redes sociais (viva às redes sociais), possibilitou de modo instantâneo e simultâneo colocar milhares de pessoas nas ruas de várias cidades brasileiras. De repente, uma grande energia contida individualmente, mas latente no conjunto da sociedade, foi liberada e como uma bomba, explodiu.
Nessa explosão, emergiram coisas; difíceis de qualificar nesse momento. Mas o fato é que emergiram e continuam emergindo e revelando, pouco a pouco, coisas que já sabíamos e coisas que ainda não sabemos. Mesmo por que estamos no meio de todo o processo e fica difícil de avaliar o que ainda não aconteceu, mas que pode vir a acontecer, a partir disso tudo que emerge confusamente, criando formas novas.
Uma das principais formas assumida de cara pelo megamovimento foi o apartidarismo. A palavra de ordem era a luta contra a corrupção e contra a copa que depois incorporou outras pautas de reivindicação: saúde, educação, transporte dentre outras. A revolta comum eram os investimentos direcionados aos setores privados e não públicos. Extremamente legítimo. As imagens dos corredores dos hospitais, dos ônibus lotados, das escolas sucateadas, das remoções de casas em contraste com as imagens dos estádios modernos se tornaram elementos por si só explicativos (sic) das desigualdades e problemas sociais brasileiros. Eu mesmo compartilhei várias dessas imagens.
O sentimento de indignação foi aumentando e a necessidade de ir às ruas também. Mas o que começou como uma luta apartidária passou a ser, ainda como elemento comum e de coesão do movimento, uma luta contra a política e os políticos brasileiros de plantão. Mas não todos e qualquer político. Alguns específicos, principalmente os do PT e do “mensalão”. Interessante como o PSDB – partido explicitamente de direita e que engendra ações políticas nefastas – esteve praticamente ausente como alvo dos direcionamentos dos manifestantes.
A coisa foi ficando mais complicada e confusa quando os manifestantes começaram a atacar toda e qualquer bandeira de movimento social e de partido de esquerda nas manifestações. Nesse momento, para mim, a luta deixou de ser apartidária e passou a ser antipartidária. E isso me soou como um alerta, pois de um modo ou de outro esta postura antipartidária enseja uma tentativa de anulação de vozes e propostas dissonantes e isso vai de encontro à luta pela democracia e justiça social.
No facebook comecei a notar, nos últimos dias, algumas críticas às manifestações. Chamou-me a atenção duas delas: uma questionava a verdadeira eficácia do movimento e se tudo aquilo não passaria de um modismo sem propósito e direção. A outra partia de um integrante de movimento social que reclamava o fato de que as manifestações, como agiam, estavam apagando a história dos movimentos sociais históricos de luta, bem como negando a importância deles.
De pronto, posicionei-me contrário a ambas as críticas. A primeira eu entendi que não procedia, pois não importava organização política, liderança, em suma, as formas tradicionais de luta e reivindicação institucionalizadas e burocratizadas não caberiam mais. O que estava valendo era o fato da vida da maioria ter se tornado “insuportável” e da energia liberada a partir das massas. Importava menos, para mim, naquele momento, uma pauta de reivindicações claras e direcionadas. A indignação manifestada em si bastaria (independentemente de ser pacífica ou não). A violência cotidiana a qual somos submetidos justificaria as manifestações. Pensava eu que, havia problemas gerais, em todo o país, que precisavam ser protestados e que, tratando-se das cidades, cada manifestação teria que ver suas pautas e problemas específicos (Por exemplo: a tarifa de ônibus não é um problema a ser tratado com a presidente, mas com o prefeito). A segunda crítica eu discordei entendendo que os movimentos sociais deveriam se aproximar dos manifestantes para unir forças e até orientá-los com respeito à luta e não se sentirem coagidos. Nesse caso, o que estava valendo, para mim, eram as misturas de gente de todas as classes, idades, gêneros, ideologias, etc. em torno de uma causa comum e que os movimentos sociais seriam só um detalhe frente à grandiosidade daquilo tudo.
Ao participar da manifestação em Campinas, frente ao que eu vi e ouvi, tratei de reconsiderar as críticas acima e a revê-las, reavaliá-las e modificar meu posicionamento que, ainda, está confuso para mim mesmo, pois pôs por terra muitas ideias e opiniões que eu havia formado até então, principalmente com relação à força e capacidade de construção de uma nova história a partir dessas manifestações. Isso não quer dizer que eu ainda não acredite que possa haver. Mas acho importante fazer algumas ponderações, pois se sobressair (existir) o que penso estar latente por trás e no interior dessas manifestações, o tiro pode sair pela culatra e a gente mergulhar numa coisa pior. E é por isso que isso exige de nós um posicionamento sério, pensado, refletido para reorientar tais manifestações e, mesmo, canalizar a energia para o que é fundamental para obtermos o propósito maior que é da transformação da realidade perversa aí presente. Logo, o trabalho é penoso e exige vigilância constante, sem que se anulem as divergências políticas e acabemos por abrir caminho para o totalitarismo o qual combatemos.
Mas vamos aos fatos. Quando cheguei à manifestação, no centro de Campinas, senti como se estivesse chegando a um evento de carnaval. Muita gente bonita na rua, sorridente, enroladas com a bandeira do Brasil, com as caras pintadas de verde e amarelo. Não sei, mas aquilo soou muito estranho para mim. Já participei de outras manifestações e o clima era diferente: de seriedade (mesmo que houvesse descontração, conversas, risadas), mas era diferente. Nas manifestações que já participei no passado, sabia por que estava lá, por qual causa, contra quem e isso dava um sentimento de segurança (ideológica mesmo), de convicção da causa. Mas quando comecei a ver tudo aquilo o sentimento foi outro: de insegurança no sentido ideológico, da causa que estava lá para defender. Perguntei-me várias vezes: por que estou aqui mesmo? Estou lutando pelo que? Contra quem? Por que? E não conseguia saber e isso me gerou um imenso desconforto. Então, o que pareceu ser para mim no início de tudo isso algo positivo (toda essa gente misturada, de diversas classes, posicionamentos políticos e que tinham supostamente um problema em comum a resolver) pareceu não fazer mais sentido naquele momento.
Então, diante daquelas pessoas alegres, extrovertidas, que pareciam estar indo a um carnaval e não a um protesto político (não que os protestos políticos também não devam ser alegres), tentando achar alguma razão daquilo para mim mesmo, mas sentindo que eu me trairia no que eu iria falar, mesmo assim virei para um amigo e disse: “Não importa essas bandeiras e rostos pintados! O importante mesmo é essa mistura de gente que aqui, mesmo que tenham outros ideais, ou não os tenham, vai poder se confrontar e participar de algo maior”.
Fomos-nos aproximando da aglomeração e a coisa foi ficando mais bizarra. Rolava um samba, uns caras sem camisa com cerveja na mão (sem falso moralismo), os caras pintadas, as bandeiras do Brasil e começamos a acompanhar o movimento. Muitos helicópteros sobrevoando e quase nenhum policial. O desconforto permanecia e eu comecei a ver alguns semblantes também pesados e não parecia ser por medo dos policiais ou de confusão, era algo maior, um incômodo que não parecia ter explicação lógica.
Não conseguia ver bandeiras de movimentos sociais, nem de partidos. E os gritos de guerra eram muitas vezes soltos e sem sentido. Começou a me chamar atenção os cartazes com palavras de protesto que não eram de protesto, com piadas, com sentido dúbio e alguns com conteúdos reacionários mais explícitos. Lógico que havia os cartazes sérios, grupos sérios, mas toda essa diversidade começou a não fazer mais muito sentido, não conseguia ver nexo naquilo tudo e a confusão na minha cabeça ia aumentando, mas estampava-se na cara, também, de alguns manifestantes. Pensava, então, comigo: “Isso deve ser o novo. E não estamos acostumados”. Mas cheirava a coisa velha, e não sabia por que!
Conforme fomos-nos aproximando da Prefeitura de Campinas, o Movimento se separou. Uma parte (os caras pintadas e o que me pareceu ser a galera mais rica) foi para o Centro de Conveniência de Campinas e a outra parte (que pareceu ser da esquerda) se dirigiu em direção à prefeitura. Como já estávamos exaustos, fomos embora quando ouvimos as primeiras bombas de gás lacrimogêneo. Fomos embora e as informações nos foram chegando: os manifestantes com as bandeiras do Brasil começaram a atacar militantes dos partidos de esquerda e exigir que eles abaixassem as bandeiras; e um dos principais líderes dos movimentos de sem-teto do Brasil abandonou as manifestações com a bandeira do Movimento abaixada.
Grosso modo, e generalizadamente, eu consideraria quatro grandes grupos que comporiam essas manifestações e, talvez, as designações que utilizarei não sejam adequadas, mas sirvam para expressar o perfil de cada um deles e, também, pode ser que nem condigam com a realidade. Seriam eles: 1) O grupo da esquerda (progressista), composto por estudantes, movimentos estudantis, movimentos sociais, partidos de esquerda com suas respectivas bandeiras de luta. Esses parecem se apresentar com uma politização das ideias e ações mais claras e objetivas; 2) O grupo da direita, composto por jovens e adultos reacionários, conservadores (mas travestidos de progressistas), que atacam o Governo Brasileiro e pedem um “Fora Dilma”; 3) O grupo do “oba oba”, que nunca se manifestou, mas está achando tudo lindo e resolveu participar. Ótimo que esse último grupo resolveu participar e tem direito. O problema é que ele, intencionalmente ou não, parece fazer coro à direita e ajudar a deixar tudo mais confuso; 4) O grupo dos apartidários. Esse parece ser, sim, a grande maioria que está cansada, indignada e é bem intencionada. Mas parece se perder, também, em meio a essa confusão toda. E o problema parece ser quando os movimentos de esquerda começam a ser expulsos das manifestações, esse grupo de apartidários achar normal e até positivo. E aí é quando deveriam se posicionar de modo partidário, não especificamente, mas no sentido de defender o direito à participação dos demais grupos para a coisa não virar um movimento totalitário.
Quando eu cheguei em casa, as duas críticas às manifestações as quais me referi acima começaram a fazer sentido. E eu fui juntando uma coisa com a outra para tentar entender o que está acontecendo. Ainda não sei, mas estou tentando entender.
O que vem me chamando a atenção é a velocidade, a rapidez com que esse movimento se formou e tomou fôlego. Como que um país historicamente reacionário e conservador torna-se, de uma hora para outra, revolucionário e progressista? Será que nos tornamos todos, de repente, revolucionários e progressistas? Parece-me que não. E quais seriam as evidências disso e as possíveis implicações?
Uma coisa de cada vez. Com respeito à velocidade com que se formou o movimento, podemos atribuir ao papel da internet e das redes sociais. Mas isso foi só o instrumento utilizado, não a causa para justificar a participação em massa. É preciso um motivo, uma razão (ou vários) para que milhares de pessoas saiam às ruas. E, definitivamente, não pareceu ter sido pelos vinte centavos. Mas também não sei realmente quais foram para além das atribuições óbvias que se referem à corrupção, à copa, a insatisfação, a indignação. Tenho a impressão de haver algo a mais, que não sei o que é.
Uma questão que me martela é: por que só agora, nesse momento? E vão dizer: “por que chegamos ao limite”. Mas me parece que chegamos ao limite há muito tempo. E de fato não há dia e hora marcada para manifestação da indignação. Ela simplesmente uma hora explode. Mas o que me faz questionar é o fato de que há anos observamos manifestações públicas nas ruas (de professores, trabalhadores, sem-terra, sem-teto) e a reação da sociedade sempre pareceu avessa a essas manifestações. Há anos convivemos com a remoção de moradias e comunidades inteiras, mas também com projetos de higienização nas cidades para instalação de empreendimentos privados e nunca nos incomodamos. Há anos convivemos com o extermínio de pobres na periferia e, também, ignorávamos. Há uma história de lutas sociais nesse país, de reivindicações. E por que dizemos que só agora o Brasil acordou? Quem acordou?
Algumas hipóteses me vieram à cabeça, mesmo para justificar o fato da classe média brasileira (tida sempre como apática, despolitizada e reacionária) sair às ruas nesse momento. E aí eu pensei: talvez seja por que a classe média esteja saindo da ilusão do consumo por ter que lidar com os problemas cotidianos conhecidos há muito tempo na periferia: o endividamento pelo crédito fácil, a violência urbana, a desvalorização dos salários, as jornadas de trabalho exaustivas, o desemprego, a saúde e educação (mesmo privada) precárias. Acho que tudo isso tem a ver e torna legítima as reivindicações por uma vida melhor via uma transformação política e econômica. Mas uma outra questão me toca: será que a classe média brasileira está preocupada em resolver o problema das cidades como um todo e do país como um todo (e aí entrariam as periferias das cidades e as regiões periféricas do país) ou só os problemas delas, ou seja, será que esta classe média tem tomado consciência dos problemas estruturais, da totalidade, ou está apenas tentando resolver a crise societária dela e só dela nestes tempos tumultuados?
Por que a meu ver, a mudança de ações positivas e de construção de uma nova história exige, forçosamente, uma mudança de pensamento, um posicionamento diferente no mundo diante das coisas que existem e isso inclui posicionar-se diante dos outros (que não fazem parte do seu mundo) para também compreender suas angústias, dramas e perspectivas sobre a vida.
Nessas manifestações não vejo a participação de pobres. De quem realmente sofre, vive no limite da existência. E quem está ligado a eles que são os movimentos sociais e os partidos de esquerda, está sendo banido das manifestações.
Ano passado, assistimos (de modo muito mal veiculado pela imprensa hegemônica, ou não veiculado) o massacre do pinheirinho na cidade de São José dos Campos em São Paulo. Após uma ação de reintegração de posse ensejada pela Justiça de São Paulo em favor do especulador Naji Nahas (lembram-se dele? Histórico medonho desse sujeito) contra uma comunidade onde viviam mais de 1500 famílias há anos (praticamente constituíram um bairro), os policiais do Alckmin foram enviados e tocaram o terror contra as famílias, atacaram crianças, idosos, derrubaram as casas sem deixar os moradores retirarem seus pertences que conseguiram com anos de trabalho. E o massacre de Eldorado onde sem-terra foram assassinados por jagunços? E os indígenas que perdem suas terras para o agronegócio? Só para ficar nos exemplos de maior repercussão e que a sociedade brasileira deu de ombros. E tantos outros como esses ocorrem constantemente, em várias cidades do país. Esses eventos ensejam reações e manifestações também.
Agora veio a copa. E toda essa massa de gente que está na rua parecia estar tranquila e contente com o megaevento. Talvez por que não tivéssemos a dimensão do que isso implicaria: investimento de capital público para produção de infraestrutura a ser explorada, posteriormente, pelo capital privado externo, legislações específicas (impostas pela Fifa) que implicariam numa dificuldade de circulação e trabalho nas áreas dos eventos, a possível drenagem do dinheiro gasto pelos brasileiros para as empresas estrangeiras que explorarão serviços e comércio durante a copa etc. E de repente nos indignamos (eu me indignei também) com os gastos do evento que poderiam ser melhor investidos em serviços públicos. Mas como a coisa veio se dando pareceu que sempre tivemos uma educação e saúde de qualidade e que só agora, por causa da copa, perdemos tudo.
E não é bem assim, como sabemos. O mundo da política é um mundo complexo, cheio de artimanhas e armadilhas. É altamente racionalizado e arquitetado. É diferente do mundo banal, da vida banal, da vida política praticada aqui embaixo. Nós sentimos o efeito da política, e até agimos a partir dela, das teias de relações que nos mantêm presos a ela. Mas temos muita dificuldade de compreender as causas, os mecanismos que põem em movimento as ações políticas. E quando se tenta forjar uma relação entre os de baixo e os de cima a coisa se torna mais complexa ainda e arriscada, principalmente mediante essa crise de representatividade e da existência de canais participativos.
Voltando à copa. Os casos de remoção no Rio de Janeiro para preparar o território para a copa são emblemáticos. Inúmeros moradores se mobilizam atualmente para resistirem às remoções. Não sei se estes mesmos moradores estão participando das manifestações no Rio de Janeiro e se sentem representados por ela.
A gente da classe média caiu numa abstração com relação a essa luta que não tem tamanho. E a falta de conhecimento real dos problemas torna a coisa perigosa, por que as ações passam a ser sentido e, pior, podem assumir um sentido contrário ao que precisamos para efetivamente dar um salto qualitativo em nossas vidas. Não bastar ir às ruas. É preciso ir às ruas com consciência. E também é difícil ter essa tal consciência de. É preciso entender que não entendemos. E não entendemos mesmo. Isso não é problema. É honestidade. Por que há gente nessas manifestações que não entendem o que se passa, como funciona a política, não tem conhecimento histórico e acha que por estar nas ruas basta. Que vai mudar o país. Que vai vir o novo. E o novo pode se apresentar como velho. Aliás, esse novo carece de qualificação. Que novidade é essa que queremos? Como faremos para tê-la? É boa para todos?
Tem muita gente participando dessas manifestações com interesses escusos. E o problema é que elas não revelam isso de cara. São desonestas, portanto, por que impedem o debate, o confronto de opiniões e ideias. E a boa parte bem intencionada começa a incorporar os discursos e interesses dessa outra sem se dar conta, por que elas não revelam a real, o que defendem. A gente tem que estar o tempo todo atento e pegando nas entrelinhas.
Nos últimos tempos quais são os dizeres que tem circulado na internet? A favor da diminuição da menoridade penal, dizeres “como bandido bom é bandido morto”, revoltados contra os benefícios de presidiários (por que os trabalhadores honestos sofrem com os baixos salários), contra os direitos humanos (por que acha que só defende bandido), a favor da truculência policial nas periferias, contra o bolsa família (mas sem se importar com o bolsa renda especulativa dos poderosos empresários e bancos), contra os direitos gays, das mulheres, dos pobres; a favor da construção de mais presídios, etc. E eu não estou dizendo que quem defende esses preceitos sejam pessoas ruins. Não se trata disso. São pessoas bem intencionadas que, muitas vezes, mediante as condições de vida, acredita que seus problemas estão relacionados ao desvio de caráter dos pobres e dos políticos e não às forças “ocultas” que comandam e governam o mundo. Assim, são pessoas que revelam a dificuldade de compreender a complexidade das relações (políticas, sociais, econômicas) e, pior, que muitas vezes não estão dispostas a se informar, a entender melhor por que as coisas são assim ou assado.
Essa produção e difusão da informação de massa compartilhada vieram para o bem e para o mal, por que não sabemos selecionar a boa informação, da má informação (daquela deturpada, que esconde interesses escusos, mas mais atrativa). E optamos pela má, que é mais sedutora, das frases de efeito, de impacto. O fato é que hoje, grande parte dos que estão nas ruas fazem parte dessa gente que pensam e defendem as causas a partir daquelas ideias que elas postam no face. O Brasil é sim um país reacionário, conservador. Fomos educados nessa lógica. Agora não tem que ser assim sempre. Que esse processo todo, se bem conduzido, nos faça rever nossos posicionamentos, nossas crenças, que mudem nossas opiniões sobre a vida e o mundo que é bem mais que a minha rua, a minha praça, o bar que eu frequento, a comunidade da qual eu participo. Precisamos identificar os verdadeiros inimigos (instituições, partidos, governantes, mas também princípios) e isso está cada vez mais difícil por que somos seduzidos por estes e postos contra as verdadeiras causas justas e honestas.
O que eu penso ser mais importante nesse momento são os debates. Mas os debates honestos. Em que as pessoas se colocam e defendem suas causas e por que defendem. Não dá para se (in)formar politicamente pelo face. E por isso que é importante a presença dos partidos políticos (de direita e esquerda) e dos movimentos sociais nessas manifestações. Vão dizer que hoje não há mais esquerda e direita. Que a esquerda se corrompeu etc. e tal. OK! Mas essa pode ser uma meia verdade, não a verdade toda. E deve ser encarada como um dado da história, de nosso tempo. Devemos nos perguntar por que isso aconteceu e se aconteceu de fato. A meu ver, essas forças “ocultas” que governam o mundo e os países querem exatamente isso: acabar com os partidos, com os posicionamentos e instituir uma ideologia única. Isso é perigoso.
Não precisamos nos filiar a partido político. Mas precisamos nos posicionar politicamente e para isso é preciso tomar partido. De qual lado estamos e o que defendemos. Ser apartidário nesse momento é exatamente o que as forças reacionárias querem: assim fica fácil de encontrar inimigos e lutar contra eles de forma personalizada e não contra ideias, processos, fatos.
É patético ver protestos contra o Executivo nacional que deveriam ser dirigidos ao legislativo ou ao judiciário. Ou mesmo questões que são da alçada de prefeitos e governadores serem transpostos à presidência da república. Isso só revela uma coisa: ignorância. Não sabemos nem o fundamental que é como se organiza a política administrativa de nosso país.
E aí atuamos às cegas? Um prato cheio para as forças políticas mal intencionadas usar todo esse clamor a seu favor. Um primeiro passo é admitirmos para nós mesmos: sim, não sabemos, não conhecemos, precisamos compreender as razões disso e daquilo. E vamos à luta, mas conscientes do que estamos defendendo e da responsabilidade que temos ao defendermos isso ou aquilo, bem como de suas possíveis implicações.
É chegada a hora dessa classe média bem intencionada (se realmente estiver preocupada em fazer política séria) conversar com a periferia. Sair do castelo. Há muito tempo a periferia faz política e há muito tempo ela sabe distinguir o que é bom para todos e o que não serve para nada.
E lógico que há urgências e nem tenhamos tanto tempo para esse processo de formação e aprendizagem. Mas ele é necessário e, também, urgente.
A situação do Brasil não tá pra brincadeira. Os interesses externos aumentam (do capital principalmente) em usar e abusar do território nacional. Quer queiramos quer não, os governos latino-americanos têm sido governados, nas últimas décadas, pela esquerda. E isso deixa tanto a oligarquia nacional como os empresários e governos ricos de cabelo em pé, a despeito das políticas de privatizações e alienação sofrida pelo território nacional. Mas eles querem mais e mais.
No contexto latino-americano, os brasileiros e o Brasil viram às costas para os nossos vizinhos. Mas se observarmos o que vem ocorrendo nos últimos anos são tentativas de golpes a estes governos (do Hugo Chavez na Venezuela) e alguns bem sucedidos como o do Zelaya em Honduras e Lugo no Paraguai. O Brasil é a grande liderança desse continente e é o que tem força e capacidade para instaurar transformações profundas na história do capitalismo latino-americano.
Não deveríamos, portanto, afastar por completo a possibilidade de tentativa de golpe no Brasil. Nossa democracia é extremamente frágil e imatura. Desde a redemocratização do país temos sentido isso. Os interesses externos, mediados pela elite nacional, sempre se impuseram sobre os interesses dos brasileiros. E a classe média brasileira sempre se identificou mais com os ideais nefastos dessa elite, do que com aqueles que apontam para nós mesmos, para a nossa condição de brasileiros. Sempre nos negamos como pobres, indígenas, pretos, mestiços e pobres. E sempre nos espelhamos nos ideais dos brancos, ricos e europeus nos tornando uma caricatura tosca deles.
Muitos brasileiros ainda não admitem às políticas sociais dos últimos governos (com todas as críticas que devemos fazer a elas). E não estou defendendo o PT, deixando claro que não pertenço a partido algum. Mas sempre vou defender os partidos que estejam mais concatenados com os interesses sociais, com a manutenção da democracia.
Os últimos eventos políticos têm demonstrado as tentativas de encurralar a presidente: o questionável julgamento do mensalão (criticado exatamente por não ter se utilizado de parâmetros técnicos e legais, mas políticos causando um início de crise no judiciário), a ascensão do Joaquim Barbosa como herói nacional (mesmo que supostamente tenha condenado arbitrariamente alguns réus), mas louvado por combater os “malditos comunistas” do PT.
Então, juntando essa movimentação do cenário político e jurídico nacional, com a movimentação do cenário político internacional de nossos vizinhos, com a mentalidade reacionária da classe média brasileira (que defende tudo que há de mais abominável nos tempos de hoje e que sente saudades da didatura), com os interesses econômicos das grandes empresas nacionais e internacionais que agem nos bastidores, sem transparência... juntando tudo isso, é que devemos estar atentos aos rumos que essas manifestações possam tomar.
Então, não se trata apenas de fazer um elogio a tudo que está acontecendo se não soubermos, conscientemente e concretamente, onde queremos chegar. Que esses eventos sirvam não só como manifestação da indignação, da dificuldade de se viver dignamente nos dias de hoje. Que ele sirva também de aprendizagem, que seja uma fábrica de produção de sentidos, de aprendizagem que nos ponham verdadeiramente de pé. Que sirva para discernir os bons dos ruins (no sentido absoluto e não relativo dos termos), para que separemos, dentro do próprio movimento, o joio do trigo (como disse um amigo meu, constatando que parece, nesse momento, haver mais joio do que trigo).
Não podemos abandonar a história de luta dos movimentos passados e as conquistas, como se não tivéssemos nada a aprender com eles (por que são velhos e nós somos novos e isso bastasse para representar o novo). Podemos, de repente, estar caminhando pra trás e nos tornando mais velhos e retrógrados do que pensamos. E as atitudes atuais, de muitos jovens, não todos (é claro), tem demonstrado, às vezes, que retrocedemos em relação à juventude do passado
Por isso, viva aos jovens do passado (que se velhos hoje podem ter mais ideias novas do que nós). Viva aos jovens do passado que sem tecnologia, dinheiro e uma série de artifícios que facilitam nossas vidas atualmente; engendraram grandes lutas e conquistas. Viva aos movimentos sociais e aos partidos políticos do passado e do presente que ajudaram a construir esse país e se, não fizeram mais, é por que a vida política é uma disputa constante entre o bem e o mal. Cabe a nós retomar as causas, os grandes princípios da humanidade e nos preparar, inteligentemente, para irmos à luta a partir das possibilidades e facilidades de nosso tempo.