quinta-feira, 20 de junho de 2013

Estrutura fundiária brasileira

No mapa 11.3 os municípios foram classificados segundo a predominância dos imóveis pequenos, médios e grandes na detenção da área total dos imóveis rurais no município. O mapa 11.4, que também representa a estrutura fundiária, foi elaborado a partir da classificação das microrregiões segundo a predominância das classes de área na detenção da área total dos imóveis. A análise conjunta dos dois mapas indica que a estrutura fundiária possui uma ordem regional bem definida, com a formação de regiões contínuas. Os dois mapas destacam regiões no Sul, Sudeste, Nordeste e no norte amazônico em que a área dos menores imóveis é predominante; a região central, onde predomina a área dos imóveis intermediários, e a região que compreende parte do Centro-Oeste, Norte e o oeste da região Nordeste, onde as terras encontram-se principalmente sob domínio dos grandes imóveis.

MAPA 11.3

MAPA 11.4

Apesar de não ter havido diminuição significativa do grau de concentração da terra no Brasil entre 1992 e 2003, neste intervalo de onze anos analisado o número de imóveis rurais e a área total dos imóveis apresentou taxas muito elevadas de crescimento. O número de imóveis rurais saltou de 2.924.204, em 1992, para 4.290.531, em 2003 (acréscimo de 46,7%). Isso seria salutar para a desconcentração fundiária, não fosse o fato de que a área total dos imóveis no mesmo período saltou de 310.030.752 ha para 418.483.332 ha (acréscimo de 35%). Deste acréscimo, não há como saber exatamente em quais classes de área foram incorporadas as “novas terras”, pois o aumento da quantidade de imóveis e da área dos imóveis nas classes de área pode ter ligação, além da incorporação de novas terras, com os processos de desmembramento e de agrupamento de imóveis.
A evolução da estrutura fundiária entre 1992 e 2003 está transcrita na tabela 11.3. Nesse período o grupo dos pequenos imóveis foi responsável pelo acréscimo de 93% do total de imóveis criados no Brasil e de 33,7% da área total incorporada na estrutura fundiária brasileira. Ao contrário, os inoveis médios e grandes compreendem, na evolução total brasileira, sete por cento dos imóveis e 66,4% da área. Quanto à evolução interna de cada grupo, entre 1992 e 2003 os pequenos e os médios imóveis apresentaram taxas de crescimento do número de imóveis e da área total muito semelhantes, o que indica uma evolução conservadora nesses grupos. No grupo dos grandes imóveis as classes dos extremamente grandes (10.000 ha e mais) apresentaram decréscimo tanto no número de imóveis quanto na área que detém. O grupo dos grandes imóveis apresentou taxa de crescimento desproporcional entre número de imóveis e a área, com taxa de crescimento do número de imóveis muito superior à taxa de crescimento da área. Isso indica uma evolução desconcentradora. Isso porém ainda não foi suficiente para alterar a concentração medida pelo índice de Gini.
TABELA 11.3 – Evolução da estrutura fundiária – 1992-2003

Em síntese, podemos concluir da evolução da estrutura fundiária que, entre 1992 e 2003 o território camponês se territorializou sobre 36.510.186,6 ha e o território do latifúndio e agronegócio, sobre uma área duas vezes maior, com 71.942.393,5 ha. Enquanto a evolução 1992-2003 no campesinato perfaz uma área média de 30 ha, a evolução no latifúndio e agronegócio tem área média de 753 ha por imóvel rural. Isso indica, mas uma vez, a disparidade entre esses dois territórios e que a concentração da terra se mantém intocada, apesar do acréscimo de mais de 108 milhões de hectares na estrutura fundiária brasileira!
Se não podemos verificar em quais classes de área foram incorporados os 108 milhões de hectares entre 1992 e 2003, podemos, através do mapeamento, responder a seguinte pergunta: onde ocorreu acréscimo das novas áreas? A tabela 11.4 e o gráfico 11.2 nos fornecem as primeiras pistas sobre a evolução regional do número e da área dos imóveis rurais. A comparação simples da taxa (porcentagem) de evolução do número e da área dos imóveis rurais possibilita identificar concentração ou desconcentração. Se a taxa de crescimento do número de imóveis for superior a taxa de crescimento da área é indicação de evolução desconcentradora; já se ocorre o contrário, e a taxa de crescimento do número de imóveis for inferior a taxa de crescimento da área, é indicação de evolução concentradora. Assim, na interpretação dos dados, verificamos que a evolução no Sul foi desconcentradora, no Sudeste e Nordeste foi equilibrada, e no Norte e Centro-Oeste foi concentradora. A região com maior acréscimo de área na estrutura fundiária é o Centro-Oeste, onde foram acrescidos 40,4% da área total dos imóveis da região em 1992. Das novas áreas incorporadas na estrutura fundiária brasileira entre 1992 e 2003, 35% o foram na região Centro-Oeste, sendo que 22% em Mato-Grosso, estado que concentra, individualmente, a maior proporção dessas “novas” áreas. A região Norte apresentou evolução interna de 51% em relação à área dos imóveis em 1992 e concentra 28% das novas áreas incorporadas no Brasil, dos quais 16% só no Pará. O Nordeste e o Sudeste apresentaram taxas significativas de acréscimo interno da área total dos imóveis (39,9% e 24,5%, respectivamente), o que não ocorreu no Sul. Tomando como recorte a Amazônia Legal, os estados que a compõem foram responsáveis pelo acréscimo de 55.171.884,7 ha, área mais de duas vezes superior a área desflorestada na região entre 1992 e 2003 - 22.157.750,81 ha. O desflorestamento não indica diretamente a incorporação de novas áreas na estrutura fundiária, mas sim a transformação das terras inexploráveis em áreas exploráveis pela agropecuária.

TABELA 11.4 – Evolução do número e da área dos imóveis rurais por UF – 1992-2003

GRÁFICO 11.2 – Evolução do número e da área dos imóveis rurais – 1992-2003

Os mapas da prancha 11.3 permitem visualizar a evolução do número de imóveis e da área total dos imóveis nas microrregiões. As microrregiões do norte da Bahia e da região Norte tiveram os maiores crescimentos relativos do número de imóveis entre 1992 e 2003. As microrregiões com maior taxa de crescimento da área total dos imóveis estão principalmente no Centro-Oeste. No Sul houve decréscimo da área total dos imóveis em grande parte das microrregiões. O mapa 11.5 responde detalhadamente a pergunta que colocamos anteriormente: onde foram acrescidas novas áreas na estrutura fundiária entre 1992 e 2003? O Centro-Oeste e o Norte são as regiões responsáveis pela maior incorporação de novas terras na estrutura fundiária e as microrregiões de Itaituba e Altamira, no Pará, são as que compreendem, individualmente, a maior proporção da área total incorporada na estrutura fundiária brasileira no período 1992-2003.

PRANCHA 11.3

MAPA 11.5

Em relação aos 108 milhões de hectares acrescidos à estrutura fundiária entre 1992 e 2003, seriam eles novas terras, compradas do Estado ou ocupadas por posseiros no período analisado, ou essas áreas já pertenciam aos imóveis rurais e só agora foram declaradas, devido a estratégias ilegais de seus detentores? A maior parte do acréscimo de área dos imóveis rurais verificado no Brasil provavelmente ocorreu pela incorporação de novas terras, processo característico da fronteira agropecuária. Porém, como já assinalamos nesta seção, não podemos descartar possíveis desvios nos dados, de forma que parte deste acréscimo pode estar associada a estratégias dos detentores que anteriormente não declarariam a área real de seus imóveis. Essas estratégias podem ter influenciado parte da variação verificada entre 1996 e 2006, porém, é impossível detectá-las. Elas poderiam também ajudar a justificar, como hipótese, o crescimento significativo de área dos imóveis rurais no Sudeste e no Nordeste, regiões de ocupação mais antiga e supostamente estabilizadas em relação à apropriação particular da terra.
Outra possibilidade para explicar a razão pela qual os detentores teriam passado a declarar a área real de seus imóveis é o aumento da ação dos movimentos socioterritoriais. Esta hipótese foi levantada por Fernandes (2005a). Segundo o autor, os fazendeiros teriam passado a declarar a área real de suas propriedades para não criarem prerrogativas para a negação de pedidos de reintegração de posse, caso suas terras sejam ocupadas pelos movimentos socioterritoriais. Neste sentido, Fernandes (2005a) supõe que parte do acréscimo de área pode ter sido virtual. Acreditamos que outra possibilidade a ser considerada é que parte dos proprietários só declare as áreas exploradas de suas propriedades para que não sejam configuradas como terras improdutivas e para não pagar impostos sobre essas terras. Desta forma, nos últimos anos, com o aumento da demanda por terras, aquelas que antes eram improdutivas e não declaradas, teriam passado a ser utilizadas para a produção e também declaradas para o INCRA. Essas são hipóteses que, para além das possíveis fragilidades do tratamento do banco de dados, podem ajudar a justificar o crescimento abrupto da área total dos imóveis rurais entre 1998 e 2003.
Adicionalmente aos dados do INCRA, os dados do IBGE sobre os estabelecimentos agropecuários auxiliam no entendimento da estrutura fundiária. De acordo com os dados do Censo Agropecuário 2006, existiam naquele ano no Brasil 5.204.130 estabelecimentos agropecuários com superfície total de 354.865.534 ha. Em 2006 foram recenseados 344.265 estabelecimentos agropecuários a mais do que em 1996 (crescimento de 7,1%) e no mesmo período a área total dos estabelecimentos brasileiros foi acrescida de 1.254.288 ha (acréscimo de 0,4%). A simples comparação entre essas taxas indica que a evolução dos estabelecimentos 1996-2006 foi desconcentradora, visto que o número de estabelecimentos cresceu à taxa superior àquela da área total dos estabelecimentos(22).
Na evolução 1996-2006 (tabela 11.5) a região Norte foi a que apresentou maior crescimento absoluto e relativo da área total dos estabelecimentos. A evolução na região foi concentradora, pois a taxa de crescimento de área foi duas vezes superior à taxa de aumento do número de estabelecimentos. No Nordeste, a taxa de aumento do número de estabelecimentos foi duas vezes superior à taxa de acréscimo de área, indicando evolução desconcentradora. A análise da evolução nos estados do Nordeste chama atenção pelas diferenças significativas entre essas unidades da federação. A Bahia, por exemplo, apesar do intenso desenvolvimento do agronegócio no oeste do estado, apresentou redução de mais de dois milhões de hectares nos estabelecimentos agropecuárias. Pernambuco teve acréscimo de pouco mais de três milhões de hectares na área total dos estabelecimentos agropecuários. O Maranhão, apesar do grande acréscimo de área (quase 2,5 milhões de ha), em 2006 possuía 79.493 estabelecimentos agropecuários a menos do que em 1996, o que indica concentração. A evolução 1996-2006 na região Sul apresentou taxas baixas de crescimento, porém nos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul foram verificadas taxas significativas que indicam evolução concentradora em Santa Catarina e desconcentradora no Rio Grande do Sul. Na região Sudeste, Minas Gerais apresentou evolução negativa na área dos estabelecimentos, com menos cinco milhões de hectares em relação a 1996 e aumento de mais de cinco mil estabelecimentos no mesmo período. O Centro-Oeste é a região que mais chama a atenção, pois, apesar de ser a região com o mais intenso processo atual de ocupação e expansão da produção agropecuária, os três estados apresentaram diminuição na área total dos estabelecimentos que totaliza quase 8,5 milhões de hectares. Isso contrasta profundamente com a evolução na área dos imóveis rurais verificada nos dados do INCRA, que mostram que no Centro-Oeste foram incorporados à estrutura fundiária, entre 1992 e 2006, mais de 38 milhões de hectares. Quanto ao número de estabelecimentos agropecuários, o Centro-Oeste teve aumento de 32% em relação a 1996.
TABELA 11.5 – Evolução do número e da área dos
estabelecimentos agropecuários por UF – 1996-2006



Nenhum comentário:

Postar um comentário